segunda-feira, 16 de janeiro de 2006

Zeca da Humpata

No registo oficial a sua data de nascimento era 16 de Janeiro. Mas a verdade era outra. Havia que retirar 4 dias, tantos quantos o pai levara a decidir registar o filho na conservatória. Assim, o Zeca festejava sozinho a 12 e com a família e amigos a 16. Um sortudo.
Mas vamos ao que interessa. Zeca nasceu na Humpata, lá para os lados de Sá da Bandeira, província da Huíla nos idos de 1928. A mãe, a velha Katumbo, era uma negra muíla de personalidade forte, com quem não se fazia farinha. O pai, o velho Pontes, tchicolono, era um dos pioneiros da vila, madeirense que emigrara à procura de melhor sorte. Reza a história que a negra se juntara ao branco já entrada de anos, de maneiras que Zeca era o mais novo de 16 irmãos, filhos de pais e mães diferentes. Explico: A mãe tinha filhos de outros homens e o pai, tendo uma família branca "oficial", sempre pulava umas cercas. Diz quem sabe que era prática comum.
Mas adiante, o Zeca teve uma infância típica dos anos 30 em Angola. Tomava banho no rio, apanhava fruta das árvores, fisgava passarinhos com a txifuta e fazia quilómetros a pé descalço para a escola. E assim se passaram os anos até ao exame da 4ª classe. Logo, vem a juventude e Zeca vai trabalhar no caminho de ferro de Benguela, ao sol e à chuva, o que mais tarde lhe viria a trazer complicações de saúde. Conhece Albertina, mulata de feições redondas, linda de morrer e casam no dia de Natal, no ano de 1949. O casal tem 4 filhos e Zeca, funcionário adminstrativo do Estado, pulula de vila em vila nas suas "demarches" oficiais. Lembra com saudade a Vila Artur de Paiva e a Chibia.
Os anos passam e nos meados de 60 a família sulista resolve-se mudar para a capital Luanda, bem lá no norte.
Zeca torna-se um cosmopolita. O emprego na TAAG traz-lhe satisfação e uma certa distinção, da qual se orgulha. Mas aproximam-se tempos complicados. A guerra, até aí longínqua, chega à cidade e ameaça a estabilidade e integridade da família. Não resta outra solução senão abandonar a pátria amada em direcção à metrópole.
1975 é o ano do Exílio. Sim, digo exílio porque Zeca nunca se adaptou ao frio português. Frio do clima e da alma. A doença surge, fruto de anos de fumador inverterado e traz a confinação ao seu quarto. Zeca, sempre nostálgico da terra angolar, vai definhando em 15 longos anos de doença.
Naquele quarto rodeou-se de memórias de uma vida. Os tangos, as fotografias, os livros sobre Angola, as cartas dos amigos, as horas infínitas a escrever poemas e a sonhar com o regresso nunca possível.
O Zeca da Humpata deixou marca em todos os que o conheceram. Um fala barato que tinha conversa para tudo e todos. Um autodidacta no sentido lato do termo, um curioso da vida. Era meu amigo e se fosse vivo completava 78 anos hoje. Por isso, PARABÉNS AVÔ!

2 comentários:

Avozinha disse...

Bela história, bem contada. Apetece-nos a todos ter esse avô também!

Nuno disse...

Obrigado! Saudades basicamente...