sexta-feira, 24 de novembro de 2006

Um post tardio sobre Ted Haggard

Tive a oportunidade de ler vários comentários sobre o escândalo adicto-sexual de Haggard que abalou a comunidade evangélica, sobretudo nos Estados Unidos. Penso que a reflexão principal não se deve centrar nos aspectos da vida privada deste pastor de uma igreja de 14 mil membros e, simultaneamente, líder da Associação Nacional de Evangélicos que congrega mais de 33 milhões de fiéis. De que nos adianta reconhecer que Ted é humano como todos nós? Que agora está quebrantado e vê as coisas com os olhos do pecador arrependido? Isso já todos sabemos. O mal já está feito, os efeitos colaterais impossíveis de suster e o seu ministério arruinado para sempre. O que me parece ser relevante discutir é a forma como se concebe e exerce liderança espiritual entre os evangélicos. E a verdade é que, quer seja nos EUA com grandes comunidades, quer seja em Portugal onde os evangélicos são uma pequena minoria, a tendência é para se exercer lideranças concêntricas, personalizadas e administrativamente hierarquizadas, onde o Pastor/líder está no topo e tem a última palavra em todos os assuntos. Este, por escolha própria ou por imposição, encontra-se assim só para decidir o rumo das comunidades, para fazer escolhas morais e éticas e principalmente, só no seu percurso espiritual pessoal, por achar que não pode mostrar "fragilidade" aos crentes, supostamente subalternos. Ora, sabendo nós que os pastores são feitos da mesma matéria que o mais comum dos mortais, não é de estranhar que estejam eles próprios sujeitos às mesmas pressões e tentações que os demais. A quem recorrem quando falham? A quem prestam contas? Quem os mentoreia?
A experiência do Novo Testamento mostra-nos exactamente o contrário. A liderança eclesiástica era exercida de forma colegial e complementar com base nos dons espirituais de apoio (Efésios 4), sem que daí resultasse qualquer perda de autoridade espiritual, que é a conta na igreja. Os líderes estavam sujeitos à autoridade e disciplina dos outros líderes e as suas práticas e convicções eram permanentemente expostas à luz do conselho da comunidade e das Escrituras. É bem possível que este exercício saudável tivesse impedido Haggard de entrar na avalanche imoral em que se meteu. A grande questão que Haggard nos coloca é: Que tipo de líderes temos, ou queremos ter, à frente das nossas comunidades?

5 comentários:

Nuno Barreto disse...

Aí está um dos grandes problemas do "sistema": O líder fica só. E qualquer cristão que esteja só, tarde ou cedo acabo por cair. Às vezes de forma visível e escandalosa, outras vezes de formas invisíveis (prepotência, ditadura, etc), mas raro é aquele que consegue resistir.

Eu não conseguia viver o cristianismo sozinho.

Jorge Oliveira disse...

Gostei da reflexão.

Nuno disse...

Nuno, estou de acordo. O cristianismo, ou a igreja em concreto, distingue-se de todas as outras formas de associação por causa disto mesmo. Não é um clube, associação, partido, instituição, etc. É um corpo, vivo, cujo cabeça é Cristo. A analogia paulina da interdependência dos membros deveria ser mais levada em conta nas comunidades de fé.

Davide Vidal disse...

Tenho dificuldade em entender estas coisas, muita dificuldade mesmo; Mas a verdade é que fica o alerta de Paulo (a começar por mim): "Aquele, pois, que pensa estar em pé, olhe não caia."

Jónatas Lopes disse...

interessante